A despeito das conclusões do grupo responsável pela interpretação dos dados enviados pela Huygens, sonda européia que fez um histórico pouso naquele mundo um ano atrás.
Em 1º de dezembro de 2005, os grupos europeus responsáveis pela espaçonave publicaram sete estudos na revista científica britânica “Nature” , com as primeiras conclusões consolidadas da missão. Entre as diversas análises estava a composição da atmosfera de Titã.
Na ocasião, comparando a proporção entre diferentes tipos de carbono (com 12 ou 13 prótons e nêutrons em seu núcleo) no gás metano (CH4) do ar, os cientistas concluíram que não havia sinal de vida.
O raciocínio é o de que, se houvesse alguma criatura viva metabolizando lá embaixo, ela deixaria uma “assinatura” no metano sabe-se que a vida (ao menos na Terra) prefere um tipo de carbono em detrimento de outro, o que geraria uma certa desproporção denunciadora. Como eles não viram isso, concluíram que não havia razão para achar que o metano tivesse origem biológica.
“Eu acho que a proporção entre carbono-12 e carbono-13 é uma indicação fraca de vida”, desqualifica Christopher McKay, cientista do Centro de Pesquisa Ames, da Nasa (agência espacial americana), um dos defensores da hipótese de biologia titaniana, em parceria com Heather Smith, da Universidade Espacial Internacional, em Estrasburgo, França.
Os dois escreveram um artigo para a famosa revista de ciência planetária “Icarus” (http://icarus.cornell.edu), publicado antes dos resultados da Huygens na “Nature”. Ali, eles descreviam as “possibilidades para vida metanogênica em metano líquido na superfície de Titã”. Ou seja, como alguma coisa poderia sobreviver numa poça de metano como as que provavelmente existem em Titã.
E o que eles concluíram é que as criaturas titanianas, para existir, precisariam respirar hidrogênio molecular (H2) e comer acetileno (C2H2), etano (C2H6) e outros compostos orgânicos com alta energia embutida, convertendo-os em metano. “Uma evidência muita mais forte de vida seria a detecção do consumo de H2, C2H2 etc. perto da superfície, como previsto pelo nosso estudo na “Icarus'”, afirma McKay.
Infelizmente, as respostas a esse respeito terão de esperar. “A equipe do GCMS [instrumento usado pela Huygens para essas medições em Titã] discutiu isso numa reunião da AGU [União Geofísica da América], em dezembro”, diz McKay. “Eles comentaram que, como o H2 era o gás portador usado no instrumento, eles não tinham como determinar se ele estava sendo consumido na superfície. Então ainda não sabemos se a diminuição prevista de hidrogênio ocorre. Se ocorrer, será uma forte indicação -mas não prova- de vida consumidora de H2 e produtora de CH4”, diz.
Mundo vivo
O outro defensor da vida titaniana é David Grinspoon, do Southwest Research Institute, no Colorado (EUA). O astrobiólogo americano é partidário de uma teoria mais abrangente sobre a vida -a de que ela aparece em lugares geologicamente ativos. Tanto a Huygens como a sonda orbitadora Casssini observaram evidências de vulcanismo no gélido ambiente titaniano, de modo que Grinspoon aposta que haja lá energia suficiente para ser explorada por potenciais formas de vida. Ele explorou o tema num artigo publicado no periódico “Astrobiology” (www.liebertpub.com/ast), com seu colega Dirk Schulze-Makuch, da Universidade Estadual de Washington.
Grinspoon, como McKay, descarta as conclusões da equipe da Huygens. “As premissas por trás dessa interpretação são muito geocêntricas! Estou no momento trabalhando num artigo sobre isso com alguns colegas.”
Como de costume, a última palavra ainda está longe de ser dita.
SALVADOR NOGUEIRA Fonte: Folha de S.Paulo
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