Fina D’Armada, conseguiu cativar-nos com a sua erudição de pesquisadora de campo, o que é diferente de ter estado agarrada a uma secretária. Disse-nos que tinha ido a Tui investigar onde esteve a Lúcia. Conseguiu também consultar os documentos do cónego Formigão.
Tivemos a oportunidade de a convidar a Fina D’Armada para outras palestras, as quais acedeu.
Solicitámos que nos deixasse publicar algumas palavras do seu livro, tendo amavelmente dado o seu consentimento. Assim colocamos abaixo essas páginas que passámos pelo OCR.
“Fátima – Nos bastidores do Segredo” Fina D’Armada e Joaquim Fernandes
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Nesse dia, os três jornais (talvez existam outros) publicavam um texto datado na antevéspera, subscrito por um espírita de nome António, procedente do Porto. Na essência, o pré-aviso anota que «no dia treze do corrente há-de dar-se um facto, a respeito da guerra, que impressionará fortemente toda a gente».
No Jornal de Notícias trata-se de uma «Revelação sensacional», grafado com letras destacadas a negro, mas o texto fica-se por aí, relacionando a guerra com o espiritismo. No entanto, nos restantes periódicos, os jornalistas fazem comentários jocosos. Um espírita profeta era algo inaceitável, outrora como hoje. No jornal Liberdade, dizia-se em tom de ironia, que nesse dia 13 de Maio se ia dar algo importante «a respeito da guerra, de grande transcendência e de grandes consequências. Se tal não se der, ficam desacreditados os espíritos e a sua encarnação material».
Inadvertidamente, o jornalista desprevenido leu no postal mais do que ele dizia, revelando-se também profeta, ao falar em «grande transcendência e grandes consequências», que foi realmente o que acabou por acontecer com as aparições de Fátima. Todavia, quem comenta em profundidade o teor do postal de António é um conhecido jornalista da época, Guedes de Oliveira, redactor de O Primeiro de Janeiro.
Nesse jornal, a revelação vem na primeira página, com o título «Espiritismo». É um artigo extenso, tipo artigo de fundo, à dimensão do futuro acontecimento.
Guedes de Oliveira (Henrique António, 1865-1932) é um nome cuja biografia se pode ler na Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira. Foi republicano em tempos de monarquia e era anticlerical. Escritor dramático, fotógrafo premiado internacionalmente, foi Director da Escola de Belas-Artes do Porto. Possuía o curso de arquitecto, existindo ainda, em Rio Tinto, a casa de traça original que mandou construir. Hoje, ainda, vivem lá os seus descendentes. Na cidade de Rio Tinto, deram seu nome a uma rua e a uma travessa.
Depois de publicar o postal, igual ao que transcrevemos do Jornal de Notícias, precedido das palavras: «Acabo de receber a sensacional informação…», o reconhecido jornalista deu à estampa as ideias que se seguem, das quais retiramos um extracto, com
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Figura 4 — Guedes de Oliveira, o repórter improvisado do acontecimento previsto para 13 de Maio de 1917. (Doc. Família Guedes de Oliveira) sublinhados nossos, para salientar a estranheza de algumas palavras, que parecem transcender o significado da mensagem recebida:
«O dia 13 é hoje, e eu não sei se à hora a que os leitores pousarem os seus olhos misericordiosos sobre os dizeres do espírita Sr. António o acontecimento anunciado se terá produzido e todos nós estaremos tão impressionados como se um súbito abismo se cavasse a nossos pés ou o cavalo de D. Pedro IV tomasse o freio nos dentes.
A intervenção dos que existem para além das coisas, naquilo que sobre a côdea da terra se está passando, não pode ser-nos indiferente, e é com verdadeiro alarme que recebo a informação do zeloso propagandista da verdade.
Eu nunca pensei que materialões como todos nos estamos revelando, pudéssemos andar tão relacionados com os seres do outro mundo».
Afirma que recebera a revista Luz, nas Trevas, editada por um
grupo espírita. Repare-se que o jornalista nunca se refere à guerra,
Pagina 28 OPERAÇÃO FÁTIMA como estava escrito no referido postal, mas sempre a outro acontecimento. Acrescenta:
«Mas agora com a carta do sr. António confesso que me falta apenas o acontecimento anunciado para também se fazer luz nas trevas do meu espírito. Que forças misteriosas e prodigiosas serão essas que não só actuam nas coisas terrenas com a sua influência inexplicável, como conseguem, por exemplo, resolver praticamente este problema de levantar sem contacto uma mesa de pé de galo?» Mais à frente, expressa ideias, no mínimo curiosas, que julgaríamos difíceis de serem escritas por um anticlerical, a partir de um simples e lacónico postal de correio…
«Não é uma norma bem assente que desde que se atingem os fins importam pouco os meios? Quem me diz que este princípio, tão alemão, esperou o dia 13, que é hoje, para se manifestar, como anuncia o António, de modo a impressionar fortemente o mundo todo? Que espécie de mesa veremos erguer-se?» De modo a impressionar fortemente o mundo todo» é o que continua a acontecer com os fenómenos de Fátima, mais de oitenta anos depois, seja qual for a crença ou interpretação que sobre eles manifestemos.
«Que espécie de mesa veremos erguer-se?». Afinal não vimos erguer-se nenhuma mesa, embora Guedes de Oliveira use o termo «mesa» em sentido figurado, precedendo-o da expressão «espécie de». Mas, nesse dia, numa aldeia ignorada, começamos realmente a ver erguer-se um altar de renome mundial, o «Altar do Mundo». E um altar é «uma espécie de mesa.
Guedes de Oliveira fechou os olhos, certamente sem ter tido consciência de como ele foi repórter de uma notícia singular no próprio dia do acontecimento… • Por que é que isto aconteceu? Os jornais só receberam este postal de espíritas? Por que atribuíram a este tal importância, apesar de provir de um membro de um grupo de figuras tão desacreditadas nos meios jornalísticos? De notar que o teor do postal foi publicado na primeira página dos três jornais citados.
É interessante constatar que Guedes de Oliveira e Avelino de Almeida (que vai relatar, no jornal O Século, o chamado «Milagre
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Figura 5 — Avelino de Almeida (1873-1932), chefe de redacção de O Século Repórter de «O Milagre do Sol». A sua visão ateísta informou objectivamente o País. (In Sebastião Martins dos Reis, Na Órbita de Fátima) do Sol», ocorrido a 13 de Outubro) são rotulados como dos maiores jornalistas portugueses da época. Ambos desempenhavam funções de chefia nos dois maiores diários nacionais, num tempo em que não existia televisão. O que significa que as aparições de Fátima tiveram, nas suas origens, a presença dos luminares da comunicação social portuguesa, na tarefa da divulgação do evento.
O facto de serem ambos anticlericais parece não ter pesado, apesar das informações em que se viram envolvidos serem de carácter espiritual, para lá do entendimento dos sentidos. Poderá ser esta rede de circunstâncias fruto de um mero acaso?
Independentemente das conjecturas em torno da identificação da origem dos fenómenos — e dos supostos e implicados «agentes» — poder-se-ia pensar que todo este encadeamento de antecedentes corresponderia a uma lógica, em ultima instância urdida e programada ao pormenor por «entidades» não humanas, distintas das representações culturais dos «espíritos desencarnados» ou das hierofanias marianas de matriz católica.

No fim da nossa palestra tivemos a Cristina Cosmelli Silva a fazer uma resenha do mês sobre a actividade ovni no mundo.
Luís Aparício