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Mais perto do céu

Em cinco meses, ele terá de aprender tudo sobre a espaçonave russa Soyuz e sobre o lado russo do complexo orbital.
Os trabalhos seguem intensos, e Pontes tem pouco tempo livre; nem os fins de semana escapam. Num raro momento de folga, ele deu uma entrevista, por e-mail, à Folha.
Leia a seguir o que ele acha de ter seu armário próximo ao de Yuri Gagarin (primeiro homem a ir ao espaço, em 1961), dos conselhos que recebeu de John Glenn (primeiro americano a orbitar a Terra, em 1962, que depois virou senador) da possibilidade de seguir na carreira política, após cumprir suas obrigações como astronauta e saiba como ele vê o futuro do turismo espacial.

Folha – Como está sendo o treinamento na Rússia?
Marcos Cesar Pontes – O treinamento usual para uma missão espacial numa nave Soyuz sempre foi feito num período de oito a 13 meses. No meu caso, devido à data de decolagem prevista, o mesmo treinamento teve de ser comprimido e completado com sucesso em cinco meses! É uma situação nova, um treinamento em tempo recorde. Em termos comparativos com o programa na Nasa, a diferença básica é a língua. O detalhamento dos sistemas, as sobrevivências especificas para o veículo e muitas outras áreas de estudo e treinamento são agora voltados para a Soyuz e ministrados em russo, idioma que deverei dominar.

Folha – Qual é a sensação de se preparar para um vôo no mesmo lugar em que Gagarin foi treinado? E decolar da mesma plataforma que ele?
Pontes – Existe até o armário dele no ginásio, com as coisas dentro ainda! O meu fica ali, a apenas alguns metros. A motivação é grande. O fato de eu ser o primeiro a levar a bandeira nacional ao espaço é bem conhecido por aqui. Freqüentemente fazem a comparação com o Gagarin.

Folha – O que você pretende fazer quando voltar do espaço? Pretende continuar na carreira de astronauta, em Houston, EUA?
Pontes – Logicamente, depois dessa primeira missão científica brasileira, retorno ao trabalho pelo Brasil na Nasa, em treinamento e coordenação técnica para concluir o contrato vigente de participação brasileira na Estação Espacial Internacional.
Pelas cláusulas desse acordo, o governo brasileiro contrata, junto às indústrias nacionais, a construção de partes da estação. Em troca, o Brasil tem direito de usar as instalações científicas da estação para pesquisas, treinamento na Nasa, intercâmbio de pesquisadores e cientistas e vôos espaciais de um brasileiro.

Folha – O sr. tem esperança de fazer outros vôos, além deste?
Pontes – Sim, além da missão na Soyuz, a missão científica a bordo do ônibus espacial continua no contrato de participação do Brasil na ISS. Contudo, devido à situação operacional existente no momento com as três espaçonaves restantes, ela só deverá ocorrer após 2008.

Folha – O sr. costuma dizer que pretende investir na área de educação. Quais são seus planos?
Pontes – Depois de minhas missões na área espacial, meu objetivo é completamente focado no Brasil, para participar ativamente na área de ciência e tecnologia, e para defender uma educação decente e igual para as crianças no Brasil. Isto é, uma igual oportunidade de crescimento profissional e cidadania a todos os brasileiros, em qualquer local do território nacional. Esse é o meu verdadeiro ideal de vida. De certo modo, já comecei a fazer isso na região da minha cidade natal, Bauru (SP), onde coordeno o currículo de todos os cursos de formação ministrados na minha escola.

Folha – Nos EUA é comum astronautas aposentados investirem numa carreira política. O sr. tem pretensões de disputar alguma eleição no futuro?
Pontes – Uma vez em Houston, há muito tempo, em 1998, o senador John Glenn me disse que este deveria ser o meu futuro. Ele havia pousado da sua missão espacial e estava utilizando a sala vizinha à minha no escritório dos astronautas. Ao me ver caminhando no corredor, ele me parou e disse uma série de coisas interessantes. Entre elas, fez uma comparação entre a minha situação como primeiro astronauta brasileiro e a história dele no programa espacial americano, como o primeiro astronauta americano a orbitar o planeta e, depois, o trabalho dele na política a favor da ciência e tecnologia e o desenvolvimento do programa espacial naquele país. É um exemplo muito bom. Contudo, no presente momento, minha atenção está focada na realização das missões que tenho à frente no campo científico, técnico e operacional.

Folha – Considerando o próprio estado de penúria do programa espacial brasileiro, o sr. acha que os US$ 10 milhões gastos com o seu vôo são o melhor investimento que o governo poderia fazer com esse dinheiro?
Pontes – A importância da presença física do Brasil no espaço é primordial. Não só no sentido científico mas também no sentido do reconhecimento técnico internacional do país. Qualquer pessoa que realmente conheça a dinâmica do mercado internacional de tecnologia sabe muito bem o valor desse reconhecimento.

Folha – Muita gente critica a utilidade de vôos tripulados. Como o sr. vê essa questão?
Pontes – Imagine o que seria de nós se na época do Descobrimento não houvesse pessoas com coragem para tripular as caravelas e, portanto, mandassem apenas “sondas” não-tripuladas para fotografar o novo continente -hipoteticamente, é claro. Os vôos tripulados são parte essencial dos programas espaciais. Pessoas se identificam com pessoas apenas, não com máquinas. A diferença entre dizer o que não deveria ser feito e realizar o que diziam ser impossível é justamente a coragem de arriscar. De qualquer modo, com o tempo, sem a participação humana, viria a questão pública -afinal, qual a razão de explorar o espaço se nunca iremos para lá? Essa ligação, esse desejo intrínseco do homem na exploração, que já foi comprovado durante toda a história espacial, é a verdadeira mola propulsora. Mantenha apenas vôos não-tripulados e o programa estará destinado à perda de interesse público, à perda de orçamento e ao fracasso em alguns anos.

Folha – O que o sr. pensa do turismo espacial?
Pontes – Gosto muito [ ] da idéia! [ ] Por certo, ainda temos que aprender muito em termos de tecnologia de sistemas e pesquisas de vôos de longa duração até que possamos ter um turismo espacial adequado e seguro. Contudo, sem dúvida esta atividade será um grande mercado no futuro. Isso é muito bom para todos, principalmente para nós, astronautas, pois o desenvolvimento de turismo espacial e a existência de passageiros nos abre um ótimo campo de trabalho. Idêntico ao caso do desenvolvimento inicial da aviação.

Folha – Do ponto de vista internacional, a ISS é um bom investimento?
Pontes – É um excelente investimento. A penetração de empresas nacionais no bilionário mercado de ciência e alta tecnologia espacial internacional é algo muito difícil. Quantas empresas brasileiras exportam componentes espaciais para esse mercado? Essa resposta nula deixará de existir depois que tivermos as nossas empresas, contratadas pela Agência Espacial Brasileira como fabricantes de componentes, estejam homologadas em qualidade automaticamente em 15 dos principais países desse mercado simultaneamente. Isso será um fato inédito da história espacial no país.

Folha – O que o sr. acha da iniciativa do presidente George W. Bush de instruir a Nasa a se planejar para voltar à Lua em 2018 e depois ir a Marte?
Pontes – A idéia é bastante ambiciosa e portanto necessita de recursos correspondentes. Certamente são recursos inferiores aos gastos na destruição e reconstrução do Iraque, e sem dúvida com pedágio, em termos de número de perdas de vida, extremamente inferior. Mas, assim como os gastos no Iraque tiveram de ter a aprovação do Congresso para serem feitos, os gastos para desenvolvimento da ciência e tecnologia de modo que essas viagens sejam possíveis também têm de ser aprovados pelos parlamentares. Esperamos que o apelo público seja tão forte e convincente como o que teve, seja lá qual foi, aquele que os motivou a gastar todos os bilhões na guerra.
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ciencia/fe0412200501.htm

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Luís Aparício

Luís Aparício

Chefe de redacção, fundador e activista.