Expressões comuns nas páginas de política, como “baixo clero” ou “base aliada”, funcionam como uma espécie de chamada metafórica para as notas de rodapé, evocando idéias ou conceitos mais elaborados. O problema é que as tais notas de rodapé não estão no fim da página, e sim na cabeça do leitor. Se não estiverem, se o leitor for um novato no assunto, a falta de um contexto comum acaba sabotando o esforço de comunicação.
Se a ausência de um contexto comum pode condenar ao fracasso uma tentativa de comunicação entre dois falantes da mesma língua, membros da mesma espécie, habitantes do mesmo país no mesmo planeta, o que dizer de uma tentativa de comunicação com outras civilizações do Universo?
Mesmo se um dia conseguirmos detectar sinais de rádio emitidos por formas de vida inteligentes de fora da Terra, como poderemos saber o que eles estão dizendo? A falta de um contexto comum mínimo faz com que, em princípio, o abismo entre SETI (busca por inteligência extraterrestre) e CETI (comunicação com inteligência extraterrestre) parece intransponível.
A questão, no entanto, já foi estudada – um ótimo livro sobre o assunto é Beyond Contact, de Brian McConnell – e não é tão desesperadora assim. Um exame mais detalhado da situação mostra que existem, de fato, dois pontos de contato entre nós e qualquer civilização que venha a ser detectada por nossos radiotelescópios: ambos vivemos no mesmo Universo, e ambos sabemos como construir e operar um transmissor de rádio.
Conclui-se, portanto, que ambos entendemos alguma coisa de matemática – cujas regras fundamentais são as mesmas em todo o Universo e sem a qual é impossível construir uma antena parabólica capaz de transmitir sinais de rádio a distâncias interestelares.
A idéia, portanto, é usar a matemática como ferramenta para estabelecer um vocabulário comum. Esse vocabulário pode ser apresentado a partir de uma série exaustiva de exemplos – como AZAYAA, AZAZAYAAA, etcétera, etcétera, para tentar mostrar que “Z” corresponde à adição e “Y”, ao conceito de igualdade. Claro que, em vez de letras, os sinais da mensagem seriam dígitos binários, mas o espírito é esse.
A idéia geral foi expressada no livro LINCOS: Design of a Language for Cosmic Intercourse (LINCOS: Projeto de uma Língua para Intercurso Cósmico), do matemático Hans Freudenthal, publicado em 1960. “LINCOS” é uma abreviação do latim “Lingua Cosmica”.
Até hoje, nós terráqueos não usamos nada parecido com LINCOS para enviar mensagens ao espaço. Mas quem sabe? A idéia é lógica o suficiente para que algo semelhante tenha ocorrido a uma outra civilização que esteja querendo puxar conversa. O melhor que a maioria de nós pode fazer, por enquanto, é manter o SETI@home rodando. E esperar.