A qualquer dia agora, poderemos dar de cara com o sucesso e encontrar a prova de que não estamos sozinhos no Universo”.” Mas David Grinspoon faz melhor que isso. É o que ele demonstra em seu volumoso “Planetas Solitários”, livro de 558 páginas que acaba de chegar ao Brasil, lançado pela Editora Globo.
Grinspoon é um cientista planetário (ou “planetologista”, como ele prefere) do Southwest Research Institute, em Boulder, Colorado, Estados Unidos. Ele não apenas é um profissional reconhecido em seu meio como também tem toda a formação necessária para cumprir com maestria a árdua tarefa de falar de um tema sobre o qual os cientistas especulam muito mas, de fato, sabem muito pouco: vida alienígena.
Suas credenciais são as melhores possíveis. Seus pais costumavam receber corriqueiramente a visita de Carl Sagan, de quem mais tarde Grinspoon seria colaborador em artigos científicos. Sua avó, bibliotecária, era amiga de Isaac Asimov, para quem o escritor escreveu uma dedicatória em um de seus livros de ficção científica. Não bastasse tudo isso, o cientista teve a chance de trabalhar em algumas missões empolgantes da Nasa, como a Magellan, que realizou o primeiro mapa detalhado de Vênus e começou a explicar de que maneira esse planeta consegue ser tão similar à Terra e, ao mesmo tempo, tão terrivelmente inóspito.
Combine o equilíbrio de Sagan, a sagacidade de Asimov e uma pitada de cultura popular, e o resultado é David Grinspoon. Essa é a batida com que ele encara a missão de destrinchar o campo da astrobiologia, tão em moda nos últimos anos, em suas três vertentes básicas: história, ciência e crença.
Abalando as estruturas
Logo de cara, o autor já destrói a crença ingênua de que os cientistas sabem realmente muita coisa sobre esse assunto. “Um livro que resumisse tudo o que sabemos sobre vida alienígena conteria uma única palavra: nada. Consegui acrescentar outras 150 mil, seguindo nossas buscas por alienígenas através da história, ciência especulativa, filosofia e fantasia. Afinal, se Jerry Seinfeld pode fazer uma sitcom sobre o nada, por que não posso escrever um livro sobre algo do qual nada sabemos?”
Por ora, o que conta é a busca, mais do que as descobertas. E “Planetas Solitários” sabe narrar a história. Mostrando ter feito a lição de casa, Grinspoon relata as primeiras especulações sérias sobre a pluralidade dos mundos habitados, que remontam à revolução copernicana. (O autor deixa claro que, embora os gregos especulassem sobre a existência de outros seres, o conceito era bem diferente. Não era o caso de pensar em alienígenas habitando outros planetas, mas de ETs em outros universos. A cosmologia grega tinha a Terra como centro do Universo -ao menos deste Universo.)
O cientista americano destaca, nesse ponto, o papel de Bernard le Bovier de Fontenelle, que em 1686 publicou os “Diálogos sobre a Pluralidade dos Mundos”. “O livro tornou-se instantaneamente um best-seller e sensação internacional”, aponta Grinspoon. “A excitação com o pluralismo estava aumentando, e Fontenelle subiu na onda e ajudou a propagá-la.
Escrevendo num estilo brincalhão e extravagante, ele produziu o que foi descrito como o primeiro livro de ciência popular.”
Após narrar as idas e vindas históricas na visão de um Universo vivo ou morto, passando por episódios saborosos como a famosa história dos canais marcianos criada pelo astrônomo americano Percival Lowell no início do século 20, Grinspoon salta para a porção mais densa do livro, que fala das especulações científicas sobre vida no Sistema Solar.
A busca
O autor oferece, por exemplo, uma descrição pormenorizada de como evoluíram Vênus, Terra e Marte ao longo da história dos três planetas. O processo ajuda a entender por que Vênus saiu tão quente, Marte tão frio, e a Terra na medida certa para abrigar sacos de água e carbono que escrevem livros e procuram ETs.
Grinspoon também apresenta Europa, uma das luas de Júpiter, como grande candidata a abrigar vida. Mas o que surpreende mesmo é sua aposta em alguns “azarões” do Sistema Solar. Partindo do pressuposto de que se sabe muito pouco sobre que formas a vida pode assumir -é fato que até hoje os cientistas só tiveram um exemplo de vida, a terrestre, para avaliar-, ele associa a idéia de que planetas com potencial biológico são os que estão geologicamente vivos.
Partindo disso, ele pede que repensemos as chances de haver vida na alta atmosfera de Vênus, não descartemos possíveis surpresas em Titã, uma lua de Saturno, e sejamos menos otimistas com Marte, principal aposta dos astrobiólogos hoje para encontrar formas de vida alienígena, fósseis ou vivas, ao redor de alguma fonte de energia geotérmica no subsolo do planeta vermelho.
“Especulol” na veia
No terço final do livro, Grinspoon abandona o terreno seguro da ciência e parte célere para as divagações -que é o que todo mundo, na verdade, quer saber. Há ou não há, afinal, vida inteligente lá fora?
Ele considera que os esforços puramente científicos até hoje não ofereceram muitas respostas, e por isso defende que talvez seja preciso dar um passo para trás e começar a encarar a questão da mesma maneira como os pensadores viam a natureza alguns séculos atrás: menos com o olhar do cientista, mais com o do filósofo natural. A idéia abastece o subtítulo do livro, “A Filosofia Natural da Vida Alienígena”.
Com sugestões ousadas, Grinspoon não foge de temas que costumam ser contornados pela maioria dos cientistas, como os episódios de Ovnis (objetos voadores não-identificados).
No final, coloca em paralelo os pesquisadores da Seti (busca por inteligência extraterrestre por meio de radiotelescópios) e os entusiastas de Ovnis -ambos trabalham mais com base em suas próprias crenças e convicções do que com base em evidência científica.
Para fechar a conta, o planetologista apresenta sua própria visão do que ele acha que há lá fora e de quais são as chances de eventualmente contatarmos essas criaturas, formando uma comunidade galáctica.
Quer saber qual é? Leia “Planetas Solitários”. O livro pode não ter as respostas, mas é ótimo para suscitar perguntas inspiradas. E a companhia de Grinspoon é excelente